segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Runaway.

          Era fim de tarde quando entrei naquele trem. Fugia de frustrações, mazelas e encostos. Queria sair o mais rápido dali. Encostei minha cabeça contra o vidro, e o trem começou a percorrer os trilhos lentamente. Lá fora, algumas pessoas abanavam lenços brancos no ar. Não deveria ser esse o motivo exato, mas entendi que lá no fundo elas desejavam paz para aqueles que estavam embarcando naquele dia. Paz era tudo que eu queria, sabe Deus onde aquele trem me levaria. “Para qualquer lugar“, disse ao rapaz que me vendeu o bilhete. Eu sei, eu estava deixando amigos maravilhosos, uma família que não compreendia os meus sonhos, mas que ainda assim era só minha, e todos aqueles cacarecos que eu colecionei nesses quase vinte e três anos de vida. Mas era demais. A cada dia que passava, eu sentia a cidade apertar o meu peito com a mesma força que alguém bate furiosamente na cabeça de um prego indefeso. As pessoas, sobretudo, não entediam o que eu queria dizer nas minhas cartas. Elas comentavam pelas costas que eu era um depressivo insuportável, e que meu único desejo era de que sentissem pena de mim suficiente para me amarem por compensação. Os amigos, por mais maravilhosos que fossem, também passaram a não atender mais as minhas ligações, que aconteciam sempre nas piores horas do dia: madrugada, ou cedo da manhã. E essas eram as horas em que eu mais precisava de uma bronca, um conselho ou um simples silêncio. Às vezes, eu só queria desabafar e desligar o telefone, sem esperar um contra-ataque ou sei lá o quê. Havia sido demitido por falta de interesse, por passar as horas de trabalho olhando para o teto ou rabiscando em folhas A4, essas que deveriam ser usadas para imprimir documentos importantes, que sem seguida, seriam enviados para a diretoria financeira da empresa. Nesse dia, arrumei minhas coisas lentamente em um caixote velho que encontrei ali na frente do prédio, e saí sem me despedir de ninguém. Ainda consegui ouvir alguém pedir “Ei, você pode pegar um pouco de café pra mim?”, mas eu dei de ombros e entrei no elevador. Não por falta de coleguismo ou interesse, o cara não chegou sequer a pronunciar o meu nome. “Ei”, minha mãe não seria tão louca assim. Por falar em família, nesse momento eu consigo imaginar minha mãe transtornada passando café para o meu pai, enquanto a minha irmã lê a pequena carta que eu escrevi me despedindo de todos e desejando felicidades. Pedi que não se preocupassem comigo, e que voltaria assim que meu coração parasse de doer um pouco. Eu acordava chorando, sem saber se tinha sido culpa de um pesadelo ou da realidade. Era tanta coisa acumulada, que às vezes me faltavam forças até para ficar de pé. Sabe como é isso? Você querer estabilizar sua vida nos dois pés e uma força maior conseguir facilmente te levar a um desmaio? Sentia socos vindos de dentro, socos vindos de fora, puxões de cabelo e empurrões. Eram as emoções dando um jeito de gritar comigo, ou a cidade querendo que eu tirasse umas férias de tudo. Ninguém sabe dos detalhes, e quando digo detalhes, falo dos diálogos.
          Eu sempre resumo minhas histórias dizendo “Não deu”, e invento uma história irreal sobre incompatibilidade. Nunca disse nada sobre “a gente não tem química” ou “seu beijo lembra o do meu ex, por isso não vou ficar com você”. Uma conversa pode doer mais que bater o dedinho na perna da cama. São justamente essas conversas que me inundam, e não há choro suficiente que me faça colocá-las para fora, sem que minutos depois, na rua, eu as veja entrando pelos olhos novamente. Minha memória é fraca, mas meu coração não esquece. Quanto mais distante o trem ficava da cidade, mais meus lábios começavam a ensaiar um sorriso bobo. Pisar os pés fora dali já parecia um avanço. Ainda não sei exatamente se era isso que eu deveria ter feito, mas pela primeira vez na vida foi algo que eu fiz sem planejamento ou consulta com terceiros. Peguei no sono com a cabeça encostada no vidro. Acordei em um sobressalto com alguém me cutucando levemente e dizendo “pode descer senhor, chegamos”. Desci na estação e nenhum dos rostos me parecia familiar, embora eu tivesse jurado que havia visto minha prima Cristina vendendo pastéis em uma pequena lanchonete. Meti a mão no bolso da jaqueta para pegar a carteira, e encontrei um bilhete amassado que dizia em letras desalinhadas: “Volta logo”. E eu voltaria... assim que estivesse pronto.

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