quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O cara da filmoteca.

Acordei com uma terrível dor de cabeça. Não sei se era resultado de uma noite mal dormida ou de algum sonho do qual eu não conseguia me lembrar. Poderia muito bem ter batido a cabeça em uma pedra, e depois acordado com o som do despertador. Ainda estava passando por aquela fase difícil pós fim de relacionamento, e eu me arrastava pela casa me sentindo um merda. Pensando no que havia feito de errado, se teria volta, como que eu iria viver dali pra frente. Pensei em parar de comer, em morrer, e depois, tomava um banho demorado e afugentava todos aqueles pensamentos imundos da minha cabeça. Eu sei porra, é exagero. Mas quando eu sofro por alguma coisa, eu sempre enfio a faca um pouco mais afundo, talvez por gostar - inconsciente - de sentir dor. Ou talvez seja só exagero mesmo, sei lá. Só sei que o tempo não cura nada, e mesmo que eu me entupisse de remédios, o meu corpo não iria parar de doer. Eu só comecei a reagir quando resolvi deixar pra lá. Como um objeto que a gente consegue esconder muito bem, e quando vai procurar não encontra mais. Foi isso que eu tentei fazer, sabe? E deu certo, eu acho. Foi pensando em me distrair, que resolvi ir na filmoteca assistir um filme gratuito. Nacional. Paraísos Artificiais. E, bem... seria uma sessão comum, se não surgisse uma pessoa inconveniente e tornasse aquela sessão tranquila em um show de horror. Eu estava sentado na terceira fileira, quando alguém passou em pé na minha frente, e sentou na segunda fileira, uma cadeira para o meu lado direito. Mesmo concentrado no filme, dava de notar que o babaca em questão se virava constantemente para dar uma checada em mim. Comecei a me sentir incomodado, como se estivesse com um ponto vermelho pintado na minha testa: um movimento em falso e fim de papo. Dos encontros casuais que já imaginei em uma sessão de cinema, aquela passava bem longe da que eu tinha idealizado como perfeita. Ele não era bonito, o que não é uma surpresa. A casca era tão desagradável quanto o interior aparentava ser. Ele era um pedaço de merda. Tive vontade de desviar meu olhar do filme, encará-lo, e dizer: se você não virar essa sua cara imunda para frente, eu te encho de porrada aqui mesmo. Se um viado apanha de outro não seria homofobia, seria? Foda-se! Não o fiz. Não retirei meus olhos do filme. Não conseguia sequer me mexer. Alguns minutos depois, ele saiu. Voltou. Saiu de novo. E entre esse sai e volta, eu só conseguia atingir o ápice da agonia e do relaxamento, um depois do outro. Terrível. Na terceira vez, ele fez pior: sentou do meu lado. Agora eu sentia nojo. Nojo de mim, por ter a mesma orientação sexual que aquele demente. Eu nunca conseguiria abordar alguém daquela forma. Ele resolveu piorar ainda mais as coisas, e abriu a maldita boca.

- Qual seu nome? - ele disse, com uma voz afetada.
- João. - respondi, mas não retirei meus olhos do filme.
- Qual a sua idade?
- 22.
- Onde você mora?
- Bosque. - Menti.

Parecia um questionário, e eu respondia tudo. Eu sei, parece uma cena comum entre duas pessoas conversando durante um filme. Não sei explicar da onde surgiu o medo. Não sei explicar o motivo de ter ficado ali tanto tempo, imóvel. Eu queria sair, e ao mesmo tempo eu queria esmurrar a cara dele. Nunca mais faça isso, enquanto chutava o corpo dele caído no chão da sala. Sim, eu estava com raiva. Tinha acabado de terminar um relacionamento, precisava chorar, precisava de um abraço, precisava tomar um café bem quente enquanto alguém me contava alguma história boba. Justo naquele dia, justo no dia de espairecer a cabeça. Me preparava para sair, quando...

- Você curte?
- Tenho namorado. - Não tinha mais.
- Eu não ligo.
Mais raiva.
- Mas eu sim.
- Ele está aqui na biblioteca?
- Não. Mas isso não importa.

[...]

- Você tem cara de quem tem o pau grande. - disse ele, e colocou a mão na minha perna.
- É só a cara mesmo. Tenho pau pequeno. - respondi, e dei um tapa na mão dele.
- Deixa eu pegar.
- Não. Posso ver o filme?

[...]

- Aposto que você está de pau duro.
A pretensão do viado era das grandes, não?
- Não, não está. - E de fato, não estava.

Poderia ter me poupado dessa conversa, desse lixo, mas eu só saí depois desse último diálogo. Correndo pela biblioteca como se tivesse prestes a ser assassinado. Essa noite foi só um jeito gentil da vida me lembrar, que não haveria descarga suficiente para tanta merda que há no mundo.

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