sábado, 2 de fevereiro de 2013

O equilibrista e a corda que não sabia de porra nenhuma.

Não, eu não havia cercado ele no beco e dado três tiros na cabeça. Eu não teria coragem de enfiar sua cabeça na banheira e contar até cem, ou jogá-lo na rua quando um carro estivesse vindo em alta velocidade. Não sou dotado de tal frieza. Ainda assim, fui sensato o suficiente para mata-lo. Dentro de mim. Não sei dizer se foi o orgulho, o cansaço ou o amor próprio. O nome do assassino ainda é uma incógnita. De que importa tal informação? Nada. O que vale é o sentimento de liberdade. Sinto como se tivesse me soltado de uma pedra em alto mar, pedra que não parava de descer, descer, descer, tentando me levar de encontro ao céu. Olha que ironia, não? Meus olhos já não piscavam, e minha boca permanecia entreaberta. Do nada, sem que eu esperasse, fui puxado pelos cabelos, ou pelos braços, não me lembro bem. Senti como se meu estômago estivesse embrulhado, como se nenhum alimento conseguisse ficar tempo suficiente para me dar a energia que eu precisava para ficar de pé. Corria até o banheiro o mais rápido que podia e depois escovava os dentes duzentas vezes. Para tirar o gosto ruim da boca, o teu. Que de início não era ruim, mas depois foi ficando azedo. Peço desculpa. A culpa nunca é só da corda que bamboleia desesperada, mas também daquele que se equilibra nela. Eu achei que era eu, aquele que conseguiria ficar mais tempo. Achei que meus pés eram perfeitos para pisar ali. Não eram. Já era difícil no começo, e alguma coisa me dizia: cara, você vai cair. Fiz-me de surdo. Vou porra nenhuma, respondi. Continuei dando passos difíceis, até que percebi que o outro lado não chegava nunca. Mais uma vez, aquela coisa me dizia: não há nada lá pra ti. Cara, sai dessa. Nunca vou saber exatamente quem me dizia o quê, mas não é que estava certo? Não havia nada. Nadinha. Depois disso, comecei a perceber algo que ainda não havia notado: a corda. A corda bamboleava mesmo quando eu parecia em perfeita sincronia. E ricocheteava mesmo sem eu tomar atitude alguma. Uma coisa estava clara, a corda não me queria ali em cima. Não sabia se girava, se balançava ou se ficava estática. Eu não podia continuar sozinho. Estávamos em dois e eu era o único que me dava por inteiro a ponto de sangrar e achar que aquilo fazia parte do processo de equilíbrio. Falava-se muito em destino, em “isso não aconteceu por acaso”, “tinha que ser assim”. Não tinha. Eu que fui teimoso achando que poderia mudar a situação com a qual eu tinha me deparado. Não podia. Quando, finalmente, me dei conta de tudo isso, eu já estava em queda livre indo de encontro com a rede. Antes de sair, ainda gritei: ESPERO QUE NÃO SINTA FALTA DOS MEUS PÉS. Mas ninguém ouviu. E então, alguns dias depois, passei a não correr mais em disparada até o banheiro. Já não existia gosto algum na boca a ser alterado. Eu estava novo. Novinho em folha.

4 comentários:

  1. Cara muito bom mesmo seu texto.
    Existia uma persistência obviamente sentimental, talvez carência ou pura esperança... Acho que é isso, esperança que tudo desse certo que se conseguisse alcançar o outro lado. É preciso tentar, não é o que dizem? Que bom que o equilibrista conseguiu emergir a tempo. Ando me sentindo um tanto assim ultimamente... Mais uma vez parabéns pelo texto João.
    Abraço!

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  2. Como sempre... Maravilhosamente escrito.

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