quarta-feira, 20 de junho de 2012

A última página do livro.

Enquanto andava pelo centro da cidade onde nascera, Clara - de cabelos curtos, negros e olhos grandes - identificou Caio a alguns metros de distância. Tentando dar meia volta, entrou na primeira loja para que um desencontro nada agrádável viesse a acontecer. Pensou consigo mesmo: que boba, por que eu não continuei andando e o cumprimentei? que boba, repetiu. Permaneceu agachada na loja de roupas, fingindo que procurava por uma saia, embora não gostasse de saias, e muito menos de parar em lojas no horário de almoço. Para o leitor que desconhece a história, Caio já teve um relacionamento com Clara de quatro meses, que acabou após a moça descobrir que o príncipe que veio em um corolla branco, não era tão límpido e casto como imaginava. Caio tinha um relacionamento paralelo de vários anos com outra garota, que se chamava Débora, sem que nem uma e nem a outra desconfiassem de nada. Perdidamente apaixonada, Clara ficou cega, embora toda essa história estivesse a um palmo do seu nariz. Mesmo depois do término do namoro, os dois se encontraram algumas vezes, e transaram outras tantas. Ela estava solteira, não tinha obrigação de ser fiel com ninguém, e há muito havia desistido de ser fiel consigo mesma. Caio nunca transparecia ter outra pessoa, e isso fazia com que os encontros entre eles fossem algo palpável, como se fossem um casal de verdade, como se depois dali, o rapaz não fosse encontrar mais ninguém, agarraria uma foto sua e dormisse sozinho, de conchinha com o travesseiro. Substitua travesseiro por Débora e aí temos toda a trama estapafúrdia. A verdade é que a moça não conseguia sentir raiva alguma por ele, apesar de ter sido traída durante esses meses que estiveram namorando, apesar de ter sido ele quem pediu a mão dela em namoro, apesar de ter sido ele quem alimentou as esperanças que estavam resguardadas com tanta devoção. O que os olhos de Clara nunca viram, o coração nunca sentiu, fazia sentido. Assim que resolveu sair da loja, achando que o "pesadelo" estivesse terminado, ela passou por uma lanchonete que ficava ali perto, e viu Caio sentado com Débora, dividindo um copo enorme de milkshake de chocolate, tal qual fizera com ela há algum tempo atrás. Se sentiu mal. Pela primeira vez se viu como "a outra", a amante, a válvula de escape, a sempre disponível para os finais de semana em que ele desejasse, e decidiu então que não queria isso para si mesma, nunca mais. Apressou o passo para não ser vista, pegou o celular na bolsa, ameaçou ligar para ver se ele ia atender, devolveu o celular ao bolso da calça, enxugou qualquer resquício de lágrima que brotava no peito, colocou o óculos escuro e se sentiu aliviada, como se tivesse tirado um peso de 79 kilos (Ou mais, já que ele parecia mais gordo do que antes) das costas. Ficou feliz de ter terminado - finalmente - de escrever esse livro, o qual não sabia mais se continuava lendo ou jogava no lixo. No final das contas, fez o que devia ter feito há muito tempo: editar o último capítulo e devolver aquela história à prateleira. Escreveu em uma tira branca "não reler" e colou na superfície do livro, abaixo do título que dizia: proibido reler em todos os momentos sem exceção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário